O Caçador e as Sete Estrelas: Um Mito que Cruza Civilizações e Milênios

 



Nas noites claras do hemisfério sul ou norte, uma constelação pequena e cintilante costuma atrair olhares curiosos: as Plêiades. Conhecidas por muitos como “as Sete Irmãs”, essas estrelas não são apenas pontos brilhantes no céu — elas fazem parte de uma narrativa que atravessa continentes, oceanos e línguas, com versões registradas entre gregos antigos, indígenas da América do Norte, nativos australianos e até povos africanos. A semelhança entre essas histórias levanta uma questão fascinante: estamos diante de um mito ancestral, mais antigo que a escrita, e preservado por milênios?

Um conto nas estrelas

Na mitologia grega, o caçador Órion se apaixona pelas Plêiades, sete irmãs filhas de Atlas e Plêione. Ele as persegue incessantemente até que Zeus, para protegê-las, as transforma em estrelas. Curiosamente, entre os povos aborígenes australianos — que vivem isolados há pelo menos 40 mil anos — há um conto quase idêntico: um caçador celeste tenta alcançar um grupo de sete mulheres que fogem dele pelo céu.

A coincidência é impressionante. Entre os cheyennes e lakotas da América do Norte, os bosquímanos do sul da África e mesmo em tradições asiáticas como a japonesa (em que as Plêiades são chamadas “Subaru”), há registros de um homem, ou grupo de homens, perseguindo sete mulheres, que acabam alçadas aos céus.

Um fio narrativo que resiste ao tempo

Essas versões não surgem apenas por acaso. Muitos estudiosos acreditam que essa narrativa pode ser uma memória cultural pré-histórica compartilhada, remontando a um tempo em que os antepassados de todos esses povos ainda estavam mais próximos geograficamente — antes da fragmentação populacional que moldaria os continentes como os conhecemos hoje.

O mito pode ter se originado antes da última era glacial terminar, há mais de 12 mil anos, quando o nível do mar era mais baixo e vastas regiões costeiras hoje submersas estavam habitadas. Territórios que ligavam a Ásia ao que hoje é a Indonésia e a Austrália eram então contínuos — o supercontinente chamado Sahul. Essas áreas seriam ideais para que mitos e tradições fossem compartilhados entre grupos humanos migrantes.

Uma tradição mais antiga que a linguagem escrita

A permanência de temas como o caçador e as sete irmãs nas tradições orais de povos tão distantes aponta para uma incrível estabilidade cultural, possivelmente maior do que a das religiões escritas. Diferente dos textos sagrados, que dependem de alfabetização e manuscritos, esses mitos sobreviveram na fala e na memória, passados de geração em geração ao redor de fogueiras e sob o mesmo céu estrelado.

Essa hipótese é reforçada por estudos genéticos. Pesquisas com DNA mitocondrial mostram que os aborígenes australianos descendem de uma das primeiras populações humanas a sair da África — e que eles permanecem geneticamente isolados há dezenas de milhares de anos. Ainda assim, compartilham com outros povos esse mesmo mito estrelado.

Um eco do que fomos

O mito do caçador e das sete mulheres pode não apenas ser uma lenda antiga — mas um eco do que fomos: um povo ainda unido por laços culturais antes de sermos separados pelo tempo, geografia e idioma. Ele nos conecta, simbolicamente, a uma memória comum e talvez nos ofereça a chave para entender que parte da história da humanidade ainda vive no céu.

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