O Brasil Depois do Impeachment: O Que Eu Já Enxergava em 2016
Em 2016, escrevi um ensaio que hoje, com o distanciamento do tempo, vejo que se confirmou em muitos pontos. A única surpresa — e talvez a mais amarga — foi a ascensão meteórica de Jair Bolsonaro e da extrema-direita, que enterrou de vez o debate racional na política brasileira.
O processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff nunca foi acompanhado de um plano para o dia seguinte. A movimentação que levou à sua deposição foi marcada mais por interesses político-partidários e econômicos do que por um real desejo de melhoria institucional. Como bem apontou a jornalista Eliane Brum, “não foi por um país melhor, mas por poder”.
Mídia, elites e o silêncio sobre o ‘plano B’
As grandes redes de mídia, como a Rede Globo, deram suporte ativo ao impeachment, cobrindo manifestações seletivamente e omitindo os efeitos nocivos da ruptura institucional. Isso ficou claro no editorial do jornal O Globo de 2016, que defendia a "saída institucional de Dilma" mas sem qualquer questionamento sobre a legitimidade ou legalidade do processo, que posteriormente foi chamado por analistas e juristas internacionais de "golpe parlamentar branco".
Temer e o desmonte da máquina pública
Logo após assumir a presidência, Michel Temer implementou uma agenda ultraliberal sem qualquer respaldo nas urnas. A principal delas foi a Emenda Constitucional 95, que congelou os investimentos em saúde, educação e infraestrutura por 20 anos. O impacto foi profundo:
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O FIES sofreu cortes drásticos a partir de 2017: o número de contratos caiu de 732 mil (2014) para menos de 100 mil (2020).
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O Ministério do Desenvolvimento Agrário foi extinto, comprometendo políticas públicas voltadas à agricultura familiar.
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O Ministério da Cultura também foi temporariamente extinto e só voltou após forte pressão da sociedade civil.
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A EBC (Empresa Brasil de Comunicação) sofreu interferência direta, com exoneração de seu diretor-presidente por decreto presidencial, violando a legislação que previa mandato fixo.
Além disso, houve uma forte pressão para privatizações, como a venda da Eletrobras, os planos para os Correios, e propostas de flexibilização de direitos trabalhistas e previdenciários.
Quem foi às ruas pedir "mudança", recebeu desmonte
As manifestações de 2015 e 2016 não pediam cortes em saúde ou educação. Pelo contrário: a população reclamava justamente da má qualidade desses serviços. No entanto, ao apoiar o impeachment, setores da sociedade abriram espaço para um projeto que sempre visou o Estado mínimo para os pobres e Estado máximo para os interesses privados.
Os efeitos não demoraram a chegar:
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Professores sem salários em diversos estados, como o Rio de Janeiro;
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Redução de vagas em universidades públicas;
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Perda de poder de compra por aposentados, especialmente com o enfraquecimento do reajuste do salário mínimo (que impacta benefícios do INSS);
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Desmonte da Controladoria-Geral da União (CGU), com cortes orçamentários e limitação da atuação investigativa.
O Ministério Público e as "hordas bárbaras"
O Ministério Público, que teve papel central na Operação Lava Jato e na queda de Dilma, viu-se depois ameaçado por reformas que restringem sua atuação, cortes orçamentários e ameaças veladas vindas do próprio bolsonarismo que ajudaram a ascender.
Temer foi o início do abismo
Michel Temer, com sua impopularidade histórica (chegando a 3% de aprovação, segundo Datafolha), representou não apenas uma guinada de políticas públicas, mas a perda de legitimidade do próprio processo democrático. Nenhum outro presidente — nem mesmo Collor — conduziu um governo tão marcado pela submissão aos interesses do mercado e pela corrosão de políticas sociais conquistadas nas últimas décadas.
Conclusão
O impeachment de Dilma Rousseff não foi um ponto de recomeço, mas sim o início de um processo de erosão institucional que abriu espaço para o extremismo, o autoritarismo e a destruição de políticas públicas estruturantes. A eleição de Bolsonaro, embora surpreendente em sua forma, foi consequência direta dessa sequência de deslegitimações, narrativas manipuladas e omissões estratégicas.
Hoje, vemos o preço a ser pago: uma democracia frágil, uma sociedade dividida, e um debate político tomado por desinformação, ressentimento e irracionalidade.
Fontes e referências:
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Datafolha – Aprovação de Michel Temer (2018): https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/06/governo-temer-atinge-pior-avaliacao-da-serie-do-datafolha.shtml
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BBC Brasil – O que é a PEC do Teto de Gastos e por que ela é criticada (2016): https://www.bbc.com/portuguese/brasil-38232183
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Eliane Brum – Artigos na Revista Época e El País
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O Globo – Editorial de apoio ao impeachment (2016)
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G1 – Extinção e reestruturação de ministérios por Temer: https://g1.globo.com/politica/noticia/2016/05/veja-os-ministerios-do-governo-temer.html
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Inep/MEC – Redução de contratos do FIES após 2015.
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