Coluna: Os Desafios de Lula entre Indústria, Empregos e o Banco Central

O terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva se inicia sob condições bem distintas dos anos dourados do “Brasil que deu certo” entre 2003 e 2010. Se, naquela época, o boom das commodities ajudava a expandir o crédito, aumentar o emprego e dar impulso à indústria nacional, hoje Lula se vê obrigado a reinventar a roda em um cenário adverso: desindustrialização acelerada, uma economia global fragmentada e um Banco Central com autonomia formal e uma postura monetária hostil.

Lula aposta, mais uma vez, em uma política industrial ativa para reverter a estagnação produtiva do país. O relançamento da Nova Indústria Brasil, com foco em transição energética, saúde, agroindústria, defesa e tecnologia da informação, é uma tentativa ambiciosa de colocar o país novamente na trilha do desenvolvimento. Mas essa tentativa esbarra em um problema estrutural: como impulsionar investimentos, gerar empregos e promover inovação com juros reais entre os mais altos do mundo?

Desde que assumiu, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto — herança da gestão Bolsonaro — tem mantido uma política monetária contracionista, com a justificativa de ancorar as expectativas inflacionárias. A taxa Selic só começou a cair timidamente em 2023, e mesmo assim a um ritmo insuficiente para destravar investimentos no setor produtivo.

Essa contradição expõe um dos grandes dilemas da política econômica atual: de um lado, um governo eleito com a promessa de justiça social e reindustrialização; de outro, uma autoridade monetária focada exclusivamente no combate à inflação, mesmo que isso signifique travar a recuperação da atividade econômica. Como lembra o economista André Lara Resende, um dos formuladores do Plano Real, “a obsessão com metas de inflação em contextos de recessão pode ser mais prejudicial do que benéfica” (Folha de S. Paulo, 2022).

Lula também enfrenta o desafio de gerar empregos em um mercado de trabalho cada vez mais precarizado. A informalidade ainda responde por cerca de 40% da força de trabalho, segundo dados do IBGE. O programa "Emprega Mais" e os investimentos em infraestrutura são tentativas de criar ocupações mais formais e bem remuneradas. Mas sem crédito barato, sem demanda interna aquecida e com uma indústria ainda enfraquecida, o ritmo de geração de empregos de qualidade é insuficiente.

Além disso, a política fiscal apertada, pressionada pelo novo arcabouço fiscal, limita a capacidade do governo de gastar mais para estimular a economia. Lula tenta equilibrar as contas públicas sem sacrificar os investimentos sociais, mas essa é uma corda bamba que exige muito mais do que habilidade política — exige, sobretudo, um rearranjo do modelo macroeconômico brasileiro.

No fundo, o que está em jogo é a própria soberania do Estado sobre a política econômica. Lula quer retomar o papel do Estado como indutor do desenvolvimento, mas esbarra em uma engrenagem construída ao longo das últimas décadas que limita a ação do Executivo: teto de gastos (substituído, mas com regras rígidas), independência do BC, ortodoxia na política monetária e um Congresso dominado por interesses neoliberais e corporativos.

Ainda assim, há sinais de que o governo aposta no longo prazo. A recente parceria com países como China, Alemanha e França em áreas como transição energética e semicondutores indica que o Brasil quer recuperar seu protagonismo na economia global. Mas, para isso, precisará de um sistema financeiro mais alinhado com a produção e menos com a especulação.

Em resumo, o desafio de Lula é gigantesco: reconstruir a indústria nacional, gerar empregos de qualidade e enfrentar a rigidez de um Banco Central que parece alheio ao drama social brasileiro. Não será fácil. Mas, como já mostrou no passado, o presidente sabe que não se governa o Brasil sem confrontar os poderes que de fato mandam na economia — inclusive os que não foram eleitos.

📌 Fontes utilizadas:

  • IBGE (dados sobre mercado de trabalho): https://www.ibge.gov.br

  • Folha de S. Paulo, entrevista com André Lara Resende (2022)

  • Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços – Nova Indústria Brasil

  • Banco Central do Brasil – Relatórios de Inflação (2023-2024)

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