A Falência Moral do Ocidente: Quando a “Ordem Internacional Baseada em Regras” Vira Piada
Parece que o Ocidente mergulhou de cabeça em uma espiral de destruição dos próprios valores que dizia defender. A chamada ordem internacional baseada em regras — frequentemente alardeada por Washington, Bruxelas e Tel Aviv — não passa, hoje, de uma ficção conveniente. Uma retórica seletiva que se aplica apenas aos “outros”.
Enquanto isso, os Estados Unidos, a União Europeia e Israel se sentem confortáveis em quebrar essas regras sempre que é politicamente conveniente. Basta olhar para o que ocorreu recentemente: Israel lançou um ataque surpresa contra alvos iranianos em meio a negociações diplomáticas, um movimento que lembra mais o ataque japonês a Pearl Harbor do que uma nação comprometida com a paz.
A justificativa? A mesma de sempre: "Israel tem o direito de se defender". Mas de quê, exatamente? Desde 1985, Israel afirma que o Irã está a "dois anos" de produzir uma bomba atômica — o que nunca se concretizou. Enquanto isso, o Irã permanece como signatário do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), com inspeções regulares da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) (fonte: IAEA.org).
Israel, por sua vez, nunca assinou o TNP, possui um arsenal nuclear secreto (estimado entre 80 a 90 ogivas, segundo o Stockholm International Peace Research Institute - SIPRI) e não permite inspeções internacionais. E mesmo assim, o vilão continua sendo o Irã.
“O sistema internacional baseado em regras parece cada vez mais uma farsa quando potências ocidentais escolhem quais regras aplicar e a quem,” disse o analista internacional Trita Parsi, em artigo para o Foreign Affairs (2023).
A hipocrisia se aprofunda quando comparada a outras situações. A Rússia, por exemplo, foi duramente sancionada e condenada por atacar preventivamente a Ucrânia — supostamente para proteger populações russófonas no Donbass. Mas os EUA puderam invadir o Iraque em 2003 com base em mentiras comprovadas sobre armas de destruição em massa, como admitido pelo ex-diretor da CIA George Tenet e pelo então secretário de Estado Colin Powell, que anos depois chamou seu discurso na ONU de "mancha em sua carreira".
Israel, por outro lado, realiza operações militares regulares que resultam em massacres de civis palestinos — muitos deles sob ocupação — em nome do “direito à autodefesa”. Mas onde está a linha que separa defesa legítima de apartheid e colonialismo moderno?
A Human Rights Watch, a Anistia Internacional e até mesmo o relator especial da ONU sobre direitos humanos nos territórios ocupados já classificaram as práticas de Israel como crimes de apartheid (fonte: HRW.org).
Se há uma lição nos últimos 20 anos, ela é clara: a tal “ordem internacional” não sobrevive a dois pesos e duas medidas. As ações dos EUA no Iraque, o silêncio cúmplice sobre o apartheid israelense, e agora o ataque surpresa ao Irã, mostram que o Ocidente perdeu a bússola moral.
O problema não é apenas político. É civilizacional. Se as regras são ignoradas por aqueles que as criaram, então o futuro da ordem global tende a migrar para novos polos talvez: Índia ou China, países que, gostemos ou não, vêm demonstrando mais coesão, pragmatismo e, paradoxalmente, até mais consistência diplomática.
“Confiança é o recurso mais valioso na política internacional. O Ocidente o está gastando como se fosse infinito” — escreveu Fareed Zakaria no Washington Post, em 2024.
Não se trata de defender o Irã ou condenar o Ocidente por princípio. Trata-se de perceber que sem coerência, não há legitimidade. E sem legitimidade, não há ordem global que se sustente.
O mundo está mudando. E talvez, para o bem ou para o mal, a próxima geração de regras venha de quem ainda tem palavra.

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