A Efemeridade da Civilização: O Que Sobrará de Nós em 10 Mil Anos?


Assisti recentemente a um documentário sobre o mundo depois de nós. Uma pergunta ficou ecoando: o que acontece quando uma civilização desaparece?

Já escrevi antes sobre a Hipótese Siluriana — a ideia de que talvez, há milhões de anos, uma civilização avançada tenha habitado a Terra, para depois ser completamente apagada, engolida pelo tempo. Mesmo que tivessem máquinas notáveis e conhecimento profundo, tudo que construíram virou pó. Suas cidades se tornaram solo, seus artefatos foram esmagados por camadas geológicas. Restou o silêncio.

Pense no computador em que escrevo este texto. Um Dell Vostro 260s, resistente, confiável. Em vinte anos, será inutilizável. Em cem, não restará vestígio. Em mil, talvez seja confundido com um objeto ritual, como os enigmáticos dodecaedros romanos que hoje contemplamos sem saber para que serviam.

Somos passageiros. Nossa civilização é uma centelha no tempo geológico. A Terra seguirá habitável por bilhões de anos, mas nossa espécie só começou a existir há uns meros 200 mil. E nossa era industrial? Tem só uns 300 anos.

Nesse intervalo minúsculo, incontáveis línguas morreram. Povos desapareceram. Escritas foram esquecidas. Vozes se apagaram como velas ao vento.

E nós? Também desapareceremos sem deixar rastro?


O Erro da Memória Digital

Vivemos uma era em que tudo é registrado. Mas tudo é digital. E o digital é volátil.

Pense: os tabletes de argila da Epopeia de Gilgamesh sobreviveram por 4 mil anos. As inscrições romanas, em pedra e bronze, resistem ao tempo. Mas os nossos dados estão em HDs e SSDs com vida útil de uma década, se tanto. Estão em servidores dependentes de energia e manutenção contínua.

O Orkut, por exemplo, era onipresente nos anos 2000. Hoje é uma nota de rodapé. Quantos jovens de 2025 já ouviram esse nome?

Este texto está num blog. E o Blogger pode sumir amanhã, como tantas outras plataformas já sumiram.

Se um dia houver um colapso — seja energético, nuclear ou ambiental —, nossa memória digital se perderá. Rapidamente. Ironicamente, o tempo apagará tudo que acreditamos ter eternizado.


O Que Pode Sobrar?

Se alguém do futuro encontrar vestígios da nossa passagem, será por acaso.

Talvez descubram uma placa comemorativa esculpida em granito. Um livro impresso esquecido num cofre seco. Um disco de vinil ainda audível.

Mas mesmo esses itens têm um prazo. E sem uma Pedra de Roseta futura, nossa linguagem poderá parecer apenas riscos indecifráveis.

Nossa cultura — filmes, músicas, ideias — pode desaparecer como fumaça.


Quando a Máquina Para

Imagine um mundo onde:

  • Não há mais fabricação de chips.

  • O software deixa de ser atualizado.

  • A energia se esvai por falta de peças nas usinas.

O Brasil, por exemplo, depende de importações para manter suas usinas ativas. Sem a cadeia global, Angra 1 e 2 um dia vão parar. E com isso, apagam-se os servidores. Apaga-se a memória.


As Lições dos Antigos

Os sumérios escreviam em barro. Os egípcios, em pedra. Os romanos, em metal.

E nós?

Colocamos tudo em nuvens que evaporam com um clique.

Se quisermos ser lembrados, precisamos de mais. Precisamos:

  • Criar suportes físicos de longa duração (como os discos de quartzo da OpenAI).

  • Armazenar cópias em múltiplos lugares do planeta.

  • Elaborar chaves de decodificação universais para explicar nosso mundo a quem ainda virá.


Seremos Lembrados?

É possível que, daqui a dez mil anos, sejamos apenas uma fina camada geológica repleta de microplásticos e traços de radioatividade.

Ou, com sorte, alguém encontrará algo — um artefato, um fragmento, uma mensagem — e se perguntará: quem foram essas pessoas?

Talvez, num futuro incerto, um arqueólogo do amanhã leia algo que escrevemos.

Talvez até este texto.

Mas se confiarmos apenas no digital, o mais provável é que sejamos esquecidos.


Fontes e Inspirações

  • The Silurian Hypothesis — Frank & Schmidt, 2018

  • The World Without Us — Alan Weisman

  • Long Now Foundation — Projetos de preservação milenar

  • Estudos da Library of Congress e UNESCO sobre degradação digital


E você? Acha que deixaremos algo que dure? Ou seremos apenas uma lembrança que o tempo preferiu não guardar?

✍️ Escrito num Dell Vostro 260s de 2010 — que um dia será poeira.


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