Democracia ou Conveniência? A Geopolítica da Hipocrisia e a Visita de Lula à Rússia e à China
Introdução
A visita do presidente Lula à Rússia para a celebração do 9 de Maio — o Dia da Vitória sobre o nazismo — seguida de sua viagem à China, é um movimento geopolítico que carrega não apenas interesses diplomáticos, mas também um poderoso valor simbólico. Imediatamente, a imprensa ocidental e setores da mídia brasileira reagiram com críticas sob a alegação de que China e Rússia “não representam a democracia”.
Mas afinal, quem representa?
O conceito ocidental de democracia é confiável?
Antes de aceitar as críticas ao gesto de Lula, é preciso encarar de frente a hipocrisia estrutural do chamado “Ocidente democrático”. A democracia que se pretende universal é, muitas vezes, apenas um rótulo aplicado seletivamente.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o sistema eleitoral ainda é baseado em colégios eleitorais, com distorções distritais que impedem a real representação popular — um modelo que bloqueia o surgimento de alternativas reais ao bipartidarismo. O voto popular pode ser derrotado, como ocorreu em 2000 e 2016.
No Japão, o mesmo partido governa praticamente ininterruptamente desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Na França, que gosta de se apresentar como farol democrático, a manutenção de uma estrutura colonial disfarçada na África, que sustenta ditaduras com apoio francês, é ignorada pelas mesmas vozes que criticam a China.
A Europa que apoia guerras e sufoca seu próprio povo
A Alemanha, aliada da França e do Reino Unido na OTAN e na União Europeia, destruiu sua própria economia energética para seguir as diretrizes de confronto contra a Rússia. Ignorou as necessidades de sua população, trocando gás barato por slogans de guerra — tudo para beneficiar um complexo militar-industrial que lucra com o prolongamento do conflito.
Em paralelo, a União Europeia chegou ao ponto de interferir politicamente nas eleições da Romênia para impedir que um candidato com discurso anti-guerra vencesse. A tal “ordem internacional baseada em regras” ignora regras básicas da soberania democrática quando o voto popular ameaça interesses estratégicos ocidentais.
Democracia seletiva: Equador sim, Venezuela não
As reações a processos eleitorais na América Latina revelam ainda mais esse padrão seletivo: no Equador, denúncias consistentes de fraudes foram ignoradas porque o vencedor tem apoio dos Estados Unidos. Já na Venezuela e Bolívia, onde forças populares têm chances de vencer, o "alarme internacional" se ativa — com sanções, rompimentos e tentativas de golpe.
A verdade é simples: se o eleito é pró-Washington, então a eleição foi legítima. Se não, a democracia está “em risco”.
História: uma longa tradição de sabotagem democrática
Não é de hoje que os Estados Unidos e seus aliados destroem democracias em nome da “liberdade”. Basta lembrar o golpe no Irã em 1953, organizado pela CIA, ou o golpe de 1964 no Brasil, igualmente apoiado por Washington. É cínico que esses mesmos países se apresentem hoje como defensores dos valores democráticos.
China e Rússia: mais democráticos do que foram no passado
É preciso também ter a maturidade histórica de reconhecer que tanto a China quanto a Rússia estão hoje em seus momentos mais democráticos em termos históricos. A Rússia pós-soviética ainda oferece espaços políticos que seriam impensáveis no Império dos Romanov. A União Soviética, por sua vez, deu mais direitos civis e sociais aos povos da antiga Rússia czarista — mesmo dentro de sua estrutura autoritária.
A China, com todos os seus problemas, tirou centenas de milhões da pobreza e estabilizou sua sociedade com um planejamento de longo prazo que nenhum regime liberal ocidental foi capaz de fazer no século XXI. Trata-se de uma democracia tradicional? Não. Mas é irracional negar os avanços sociais, culturais e econômicos promovidos por regimes que não seguem o manual liberal ocidental.
Conclusão: Lula, a autonomia e a coragem geopolítica
Lula ir à Rússia e à China é um gesto que incomoda porque demonstra independência. E no mundo atual, onde até países europeus se ajoelham diante das ordens de Washington, a autonomia é vista como subversão.
A mídia que cobra “coerência democrática” de Lula deveria primeiro se perguntar se essa coerência existe no próprio Ocidente. Porque se a democracia se tornou apenas um instrumento geopolítico para rotular aliados e inimigos, então Lula está certo em ignorar as críticas e buscar o equilíbrio real — e não apenas o ideológico — nas relações internacionais.
A história mostrará que, às vezes, é preciso coragem para sair da fila dos obedientes e pisar em território proibido.
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