Tarcísio e a ameaça silenciosa à democracia brasileira
Nos bastidores da política brasileira, um nome tem ganhado força e atenção redobrada: Tarcísio de Freitas, atual governador de São Paulo e ex-ministro da Infraestrutura do governo Bolsonaro. Para muitos, ele aparece como o “novo rosto” da direita brasileira, mas para quem observa de perto, trata-se de uma figura politicamente perigosa, que atua com complacência da grande mídia, especialmente a paulista, para aplicar uma agenda que ameaça os pilares do Estado e da democracia.
O caso SABESP: a privataria moderna
Um exemplo emblemático da atuação de Tarcísio é a privatização da SABESP (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), tratada com espantosa naturalidade pela imprensa, mas que representa, segundo o jornalista Reinaldo Azevedo, a “maior privataria da história do Brasil” [UOL, 2024].
“Se há coisa que merece o nome de 'privataria', é isso que aconteceu na Sabesp. [...] Foi a privatização de uma empresa só, sem concorrência.”– Reinaldo Azevedo
O termo privataria foi cunhado por Elio Gaspari, unindo "privatização" e "pirataria". Na prática, o controle da SABESP foi entregue à empresa Equatorial, que adquiriu 15% das ações e, com essa minoria, assumiu controle executivo da companhia – nomeando CEO, presidência e membros do conselho.
Ainda mais grave: as ações da SABESP estavam cotadas a R$ 75, mas foram vendidas por R$ 67. Tudo isso em um modelo sem concorrência real, em que a Equatorial, empresa com experiência limitada em saneamento básico, torna-se responsável por um serviço essencial à vida da população.
Essa operação inclui cláusulas que beiram o absurdo: a nova gestão da SABESP não será responsabilizada por desabastecimento causado por mudanças climáticas. Um contrato que joga nas costas do cidadão o ônus de uma eventual crise hídrica, em um cenário global onde as mudanças climáticas já são realidade.
O encontro em Nova York e o projeto de poder
Enquanto isso, Tarcísio se apresentava em Nova York, em um evento promovido pelo Citibank, cercado por investidores e CEOs. Segundo a Bloomberg, a performance do governador paulista soou como uma estreia informal na corrida presidencial de 2026.
“Falei como um brasileiro”, disse Tarcísio ao final do evento no MoMA (Museu de Arte Moderna), durante a Brazil Week [[Bloomberg, 2024]].
Esse “brasileiro” fala fluentemente a língua do mercado financeiro internacional, da Faria Lima, dos interesses privados sobre o interesse público. E é exatamente isso que o torna perigoso: um projeto de país vendido como técnico e eficiente, mas que, na prática, avança sobre o Estado, fragiliza a democracia e entrega bens públicos para exploração privada.
Água, Educação e o desmonte do Estado
A água é um monopólio natural – não faz sentido entregá-la à iniciativa privada, ainda mais sem garantias. Mas essa lógica se estende também à educação, onde o governo Tarcísio já ensaia passar a gestão de escolas públicas para empresas privadas, mantendo o financiamento com verbas públicas. Trata-se da privatização silenciosa do ensino, sem debate público, sem avaliação de impacto pedagógico ou social.
Esse modelo é velho conhecido: desmonte do Estado, corte de direitos, transferência de recursos públicos para entes privados. E sempre sob o discurso de “eficiência”.
A imprensa cínica e a máquina de fake news
O avanço desse projeto conta com dois pilares fundamentais:
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Uma imprensa tradicional complacente, que cobre os absurdos com naturalidade ou silencia diante deles.
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Uma rede de fake news nas redes sociais, que ataca adversários políticos, distorce fatos e sabota qualquer possibilidade de debate público sério.
Enquanto isso, a esquerda brasileira é alvo constante de ataques infundados, e o campo progressista caminha para 2026 com seu principal nome, Lula, chegando aos 81 anos, e sem um plano claro de renovação política. Parece um cenário desenhado para o avanço da ultradireita e do autoritarismo.
O risco real de Tarcísio
A candidatura Tarcísio representa mais do que um projeto de poder: é um projeto de desmonte do Estado e de erosão da democracia. É o alinhamento explícito entre os interesses da elite financeira, os conglomerados de mídia e os setores que odeiam o povo brasileiro – como tão bem descreve o sociólogo Jessé Souza no livro “A elite do atraso”.
“O ódio ao pobre é o verdadeiro motor da elite brasileira. Não é só preconceito. É estratégia.”– Jessé Souza
A democracia brasileira, que já é frágil, corre sérios riscos caso esse projeto avance. É fundamental alertar, debater e resistir. Tarcísio não é apenas um tecnocrata – é o cavalo de Troia do neoliberalismo selvagem, que se aproveita da desinformação e da passividade institucional para avançar.
Conclusão
Em tempos de crise climática, desigualdade extrema e degradação institucional, não há espaço para neutralidade. A eleição de Tarcísio à presidência seria uma tragédia para o Brasil. Seria a vitória de uma elite econômica que, como em outras partes do Ocidente, coloca seus interesses acima do bem-estar coletivo e da soberania popular.
A democracia precisa ser defendida. E para isso, é preciso nomear seus inimigos.
Fontes consultadas:
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Reinaldo Azevedo no UOL. "Privataria à moda Sabesp não pode se repetir". UOL Notícias, 24/07/2024.
Link: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/07/24/reinaldo-que-nao-se-repita-privataria-a-moda-sabesp-com-imprensa-muda.htm -
Bloomberg News. “Tarcísio busca investidores em Nova York e flerta com 2026”, Julho de 2024.
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Jessé Souza. A elite do atraso: Da escravidão à Lava Jato. Editora Leya, 2017.
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